"Mulher-Cão", por Paula Rego

"Mulher-Cão", por Paula Rego

A mulher das cavernas...

Havia um ser selvagem
Nos confins do mundo
Registrei-a numa imagem
De um ambiente profundo...


Caçava para comer
E passeava todo o dia
Pescava para sobreviver
E nadava na água fria....

Vivia só entre os animais
E tinha uma caverna
Era forte e bela demais
Pobre, pura e terna...



Era a Mulher da Caverna...

segunda-feira, 16 de junho de 2008

O Pranto

ver sofrimento eh 1 saco
q eu encaro ha pelo menos 15 anos
na boa
comecei a ver gente morrer no segundo ano de faculdade
quando entramos para dentro do hospital
gestante morrer no parto
criança nascer morta
gente ser reanimada outras nao
era duro no inicio
mas a gente se adecua (nao acostuma)
eh serio, tem q encarar neh
tudo bem
ao final da facul vc se sente mais ou menos bem
mais ou menos sintonizado e adquire seus meios para viver paralelamente a isso
nem acima (pq somos mortais e nos sentimos 1 lixo ao ver ser da mesma especie padecer deste jeito) nem abaixo (pq temos d continuar)
paralelamente desenvolvi 1 artimanha de continuar apesar de...
sem misterio sem crença e sem ritual
na oncologia vc sofre
vi meninos de 3 anos com retinoblastoma sem os 2 globos oculares
curados, aguardando olho de vidro
e sorrindo
vi meninas carecas sem pernas correndo. sim, correndo
jah sai varias vezes do hospital enjoada e c raiva da vida
de deus
queria desistir do sofrimento, sem abrir mao de minha escolha
chorei só e me fortaleci
tive alguns pacientes-amigos
gente mais nova q eu q se foram antes da medicina autorizar
antes de cumprirem o q os livros dizem
jah chegue de manha para evoluir em suas pranchetas e encarei 1 realidade de cama vazia e feita
no raiar do dia
onde estavam eles??? pq assim?
agora choro, choro muito ao me lembrar de quantas perdas profissionais e pessoais tive
quantos exemplos de formaçao do carater e visao se foram sem me dar tchau
sem q eu pudesse me despedir
alguns entre minhas maos
alguns em feriados, em finais de semana, em madrugadas frias sem fim em q eu nao estava presente
quantas vezes quis ajudar a minorar o sofrimento e nao havia nada q eu pudesse fazer
alem de chorar, o q estava descartado
isso estava fora de cogitaçao
nao dah
vc nao pode
aprende q nao pode e depois ve q nao pode
as x vc chora
as x isso eh bom e as x nao eh
as x a vida eh 1 cu
em 2002 estive pagando plantoes de residencia no carnaval
estive 60 horas sozinha em 1 hospital de 6 andares, oncologico
e asssinei mais d 12 obitos
claro, a maioria de madrugada
jah comentei c conhecidos meus q na volta ao meu quarto parecia q encabeçava 1 fila longa de gente
e q nao entrava sozinha em meu aposento
enfim, 1 cigarro (na epoca fumava e muito) me aliviava
mortes lentas
as x subitas, doídas, outras tranquilas
com direito a show da assistencia
outras calmas e aceitaveis
e vc ali no meio
vendo sua humanidade se esvair de vc
querendo readquirir a capacidade da compaixao q vc mesmo nao querendo perdeu
mas a coisa vem...volta, descontinuada
e vc sabe ao longo dos meses q vc ainda eh 1 ser humano
como agora
q eu estou na unidade em q trabalaho ha 1 hora ouvindo o lamento
o choro absurdamente alto de 1 rapaz q chora o pai  q acaba de morrer ha 10 metros de onde teclo
a CTI fica a 10 metros daki e esta pessoa q morreu
segundo os gritos q escuto agora "nao aguentou"
q choro horrendo
q choro umido e inevitavel
q merda eh essa
q perda eh essa
obrigada meu deus por nunca ter me feito sentir esta perda q agora sinto em infinitesimal menor dimensao
mas sinto
pq este pai amou e foi amado por este rapaz q grita atraves da parede lateral esquerda de onde estou
queria eu poder fazer algo q as psicologas pelo visto nao conseguem
queria poder transmitir o calor ausente agora do pai q se foi
e tirar dele a lamuria
queria poder traze-lo para dentro desta unidade e seda-lo
acalenta-lo farmacologicamente ou espiritualmente
q este menino nao seja orfao 
nao agora
q possa estar c seu pai no CORAÇAO

 

4 comentários:

clajate disse...

não sei o que dizer . teu relato sobre a morte me comoveu e levou ao choro . mas é inevitável . é a coisa mais certa que acontece na vida de todos nós . um dia , de alguma maneira , com ou sem dor , vamos partir . existem muitas crenças que tentam explicar a morte , mas depende de cada um de nós acreditar ou não . talvez a mais bonita é a que fala que estamos aqui de passagem , que viemos de algum lugar desconhecido e vamos para outro mais desconhecido ainda . mas fica a esperança de que continuaremos a existir , e que em algum lugar e tempo , reencontraremos nossos queridos , sendo a vida eterna . sei que é fantasia , mas que reconforta e alivia a sensação de perda , não tenho a menor dúvida . permanece acessa em nós a imagem viva de quem partiu junto com a esperança de que seja como eu descrevi acima . talvez aí , nisso , esteja a fonte de eergia que faz com que suportemos melhor essa dor lancinante provocada pela morte de nossos entes queridos e de todas as pessoas em geral . mas né , a vida continua e precisamos vivê-la , estando preparado para tudo que ela nos apresentar . beijão

Dona Doida disse...

Amiga, antes de saber q essa era sua especialização já te admirava muito.
Mas depois q soube te admirei mais.
Mesmo.
Isso é pra quem tem coragem.
Nossa, vc é muito humana sim!!!
Muito!
Eu sei disso.
Essa sua escolha não foi fácil, imagino.
E não ia ficar impune.
Mas vc é forte, cara
E essa dor alheia q vc convive é suga as energias.
É muita dor.
Por isso vc precisa se cuidar.
Cuidar da sua cabeça, corpo.
De vc.
Amiga, te amo!!!!

Anônimo disse...

Tenho orgulho de vc, Si! Passo meus dias fingindo que essa maldita não existe, vou me ferrar quando tiver de encará-la, coisa que eu espero que não aconteça tão cedo. Muito triste teu relato...

Branquinha disse...

Você me fez chorar e me fez estar muito perto de vc...
Quando fui trabalhar em CTI senti que perdia a minha humanidade. Não sei o que acontece (talvez instinto de defesa), mas de repente a morte já não nos comove mais.
Aí acontece algum fato, ou algum paciente nos traz à realidade: somos humanos e sentimos essas perdas sim! E como sentimos! Já tive dias de chegar em casa e não conseguir parar de chorar, agora mesmo, lendo seu relato lembrei-me de um paciente que foi muito importante, com quem aprendi muito sem nunca ter sequer ouvido sua voz, só nos comunicamos por gestos, mas a sua morte doeu muito em mim...
Depois de alguns anos de CTI percebi que não queria aquilo pra minha vida toda, não suportaria aquela pressão por muito tempo...
Enquanto trabalhei em hospital, fumava meu cigarrinho na madrugada pra passar a noite e distrair um pouco daquele ambiente frio e sonoro.
A minha dmiração por vc é gratuita, te amo desde sempre!
Hoje vc é mais especial ainda!
Parabéns pelo que és, pela lucidez e pela coragem de passar por tudo isso e ainda continuar!
Bjos